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Uma estratégia química nos fármacos para doença do sono


A doença do sono, ou tripanossomíase africana, é causada por tripanossomos. Até o século XX a doença era praticamente incurável. Vacinas eram ineficazes pela capacidade do mecanismo de camuflagem do parasita ao sistema imune. A camada proteica que reveste o tripanossomo constitui o antígeno ao qual o sistema imune responde. Mas há intervalos frequentes que algumas células de tripanossomos infectantes mudam para uma nova proteína de revestimento a qual não é reconhecida pelo sistema imune. Esse processo de “camuflagem” ocorre centenas de vezes ao longo da reprodução parasitária. O resultado é uma infecção crônica cíclica: a pessoa acometida tem febre que persiste enquanto o sistema imune ataca a primeira infecção, os tripanossomos como revestimento alterado tornam-se a semente de uma segunda infecção e a febre volta. O ciclo pode levar o portador a fraqueza e, possivelmente, a morte.

Um ponto vulnerável do metabolismo dos tripanossomos é avia de biossíntese de poliaminas. As poliaminas espermina e espermidina, com papel na compactação do DNA, são necessárias em grandes quantidades por células em rápido crescimento. A primeira etapa da síntese dessas poliaminas é catalisada pela ornitina-descarboxilase, enzima que para funcionar necessita de uma coenzima denominada de piridoxal fosfato. O piridoxal fosfato (PLP), derivado da vitamina B6, faz uma ligação covalente ao aminoácido substrato da reação em que está envolvido e age como um aceptor de elétrons, facilitando um grande número de reações. Porém, um inibidor da ornitina-descarboxilase que se ligue permanentemente à enzima teria pouco efeito sobre as células humanas, já que elas repõem rapidamente a enzima inativada, mas teria um efeito adverso ao parasita.

As primeiras etapas da reação normalmente catalisada pela ornitina-descarboxilase. Uma vez liberado do CO2, o movimento de elétrons é revertido e a putrescina é produzida.

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Fonte: David L. Nelson; Michael M. Cox.

 

Com base nesse mecanismo, foram planejados vários inativadores suicidas, um deles é a difluorometilornitina (DFMO). A DFMO é relativamente inerte em meio extracelular. Quando ela se liga à ornitina-descarboxilase, a enzima é rapidamente inativa. O inibidor age proporcionando uma nova alternativa para receber os elétrons na forma dos dois átomos de flúor intencionalmente posicionados, que são excelentes grupos de saída. Em vez de fazer os elétrons se moverem para o anel da estrutura do PLP, a reação leva à liberação de um átomo de flúor. O S- de um resíduo de cisteína do sítio ativo forma então um complexo covalente com o produto de adição altamente relativo do inibidor da PLP, uma reação essencialmente irreversível. Dessa maneira, o inibidor faz o próprio mecanismo da ação enzimática matar a enzima.

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Fonte: David L. Nelson; Michael M. Cox.

 

O que fora visto até agora é o reconhecimento da estrutura enzimática e o seu mecanismo como um guia para a síntese racional de fármacos podendo auxiliar nas descobertas de novos agentes farmacêuticos.

 

 

 

Bibliografia:

David L. Nelson; Michael M. Cox. Lehninger Princípios de Bioquímica. 6 ed. Rio grande do Sul: Artmed, 2014.

Dax, Chental et all.  Selective Irreversible Inhibition of Fructose 1,6-Bisphosphate Aldolase from Trypanosoma brucei.  ACS physical chemistry, 2020.