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Hidrogênio metálico: “O Santo Graal da Física de Alta Pressão”


A piada é velha. “Qual semelhança entre o hidrogênio e o Batman?”, diz alguém. “Ambos não tem família”, responde outra pessoa. Apesar de ser geralmente colocado na família 1A, o mais simples dos elementos da tabela periódica pouco lembra um metal, muito menos alcalino. Sua forma alotrópica mais comum (H2), nas Condições Normais de Temperatura e Pressão, é um gás diatômico incolor. Um recente experimento realizado na universidade de Harvard, no entanto, pode ter gerado uma forma metálica sólida do hidrogênio. Os especialistas em física da matéria condensada, Ranga P. Dias e Isaac F. Silvera, relataram o feito em um artigo publicado em janeiro de 2017 no periódico Science. Menos de três meses depois, a amostra foi perdida.

O hidrogênio foi colocado em uma junta metálica entre as pontas de dois diamantes. As pontas eram responsáveis por exercer alta pressão sobre a amostra, enquanto a junta de metal impedia que ela escapasse. Para evitar que se quebrassem, os diamantes eram polidos e cobertos com uma camada de óxido de alumínio. Grosso modo, a alta pressão manteve os átomos de hidrogênio tão próximos uns dos outros que suas diferentes eletrosferas se uniram em um “mar de elétrons” característico de metais.

Dias e Silvera não foram os primeiros a alegar terem criado hidrogênio metálico. Cientistas sonham em fabricar hidrogênio metálico desde 1935, quando teóricos previram sua existência pela primeira vez. Na época, Eudene Wigner e Hillard Bell Huntington, da Universidade de Princeton, previram que a conversão de hidrogênio molecular para sólido metálico ocorreria por volta de 25 GPa. Dias e Silvera alegaram ter chegado a 495 GPa. Para nível de comparação, especula-se que a pressão no interior do planeta Terra seja entre 330 e 360 GPa.

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Imagem 1: Curva de fase do hidrogênio segundo Dias e Silvera. (Retirada de: Science. Dados de R. Dias e I. F. Silvera. Gráfico de K. Sutliff/Science.)

 

A conversão entre um estado e outro do hidrogênio pode ser avaliado pelas suas propriedades ópticas. O hidrogênio molecular é transparente a luz visível. Ao exercer pressão suficientemente grande, a amostra se torna opaca, indicando que os elétrons estão suficientemente próximos para absorver luz de comprimento de onda na região do visível. Um hidrogênio metálico, por ter diferenças pequenas entre as energia dos elétrons que constituem o “mar”, seria capaz de refletir a luz, como acontece com os metais em geral. Foi essa luz refletida que Dias e Silvera observaram.

 

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Imagem 2: Fotos de microscópio mostrando a transição de hidrogênio gasoso transparente (esquerda), virando um sólido molecular opaco (meio) e como um sólido metálico refletor de luz(direita), segundo Dias e Silvera. (Retirada de: Nature. Fotos de R. Dias e I. F. Silvera.)

 

Existe a hipótese de que, caso a pressão sobre o hidrogênio metálico seja retirada, a substância permaneceria no seu estado metálico. Seria algo semelhante ao que acontece com o diamante, uma forma alotrópica do carbono formada em altas pressões e temperaturas que permanece estável em condições normais. Especula-se que o hidrogênio metálico manteria propriedades supercondutoras e grande quantidade de energia acumulada, o que poderia mudar o modo como a humanidade utiliza a eletricidade.

Grande parte da energia é perdida por dissipação nos métodos atuais de transmissão de energia. “Se você pudesse fabricar fios com esse material e utiliza-los na rede elétrica, isso poderia alterar essa história”, afirmou Silvera em entrevista ao jornal britânico “The Independent”. Isso acontece devido a baixíssima resistência elétrica que supercondutores apresentam em relação a condutores comuns, como o cobre.

O hidrogênio metálico também poderia ser uma excelente forma de armazenar energia. Segundo Silvera, uma grande quantidade de energia é necessária para produzir o hidrogênio metálico. “Se você converte-lo de volta a hidrogênio molecular, toda essa energia é liberada, o que criaria o propulsor de foguetes mais poderoso conhecido pelo homem”, afirmou o cientista ao “The Independent”. “Isso facilmente permitiria você explorar outros planetas. ”

O hidrogênio metálico também poderia ser utilizado em pesquisas sobre planetas dentro do laboratório. Isso por que acredita-se que  gigantes gasosos como Júpiter possuem hidrogênio metálico em seu interior, o que seria responsável por seu campo magnético.

Quando perguntado sobre a possibilidade do hidrogênio metálico ser instável, Silvera afirmou “Eu não quero adivinhar, quero experimentar. ”

É exatamente mais experimentos que muitos cientistas estão querendo. Como é regra na ciência, principalmente em possíveis descobertas com essa e nível de importância, grande parte da comunidade acadêmica recebeu a notícia com ceticismo.

Á revista Nature, céticos expuseram suas críticas. O geofísico Alexander Goncharov, do Instituto Carnegie, em Washington, afirmou que ainda não está claro que o material brilhante que os pesquisadores encontraram de fato é hidrogênio. Para ele, é possível que seja o óxido de alumínio que revestia a ponta dos diamantes.

O físico Paul Loubeyre, Comissão de Energia Atômica da França, acredita que a pressão está superestimada devido a uma calibração imprecisa.

Eugene Gregoryanz, físico da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, afirma que parte do problema é que os pesquisadores só tomaram uma medida detalhada da amostra em alta pressão. Isso dificulta o entendimento de como a pressão mudou no decorrer do experimento.

Silvera afirmou que preferiu publicar os resultados obtidos antes de fazer mais testes, pois novos experimentos poderiam quebrar a amostra. Dito e feito. Segundo outra matéria do “The Independent”, uma tentativa de medir a pressão da amostra foi realizada em fevereiro de 2017 utilizando um laser, o que resultou na quebra de um dos diamantes, formando uma poeira fina. “Eu nunca vi um diamante quebrar assim. Estava tão pulverizado na superfície, parecia bicarbonato de sódio ou algo assim” disse o cientista.

Mesmo nessa situação Silvera permanece otimista. Para o físico, bastaria reproduzir o experimento para obter uma nova amostra. Até a conclusão desse texto não foram divulgados novos resultados.

“Este é o Santo Graal da física de alta pressão”, segundo Silvera. Assim como o Santo Graal na mitologia, o hidrogênio metálico seria uma descoberta fantástica e altamente procurada, mas com alarmes falsos dados no decorrer da história. Para afirmarmos que esse é o graal certo, como costuma-se dizer na ciência: “Novos experimentos precisam ser realizados”.

 

Referências

SCIENCE. Diamond vise turns hydrogen into a metal, potentially ending 80-year quest. Disponível em: <www.sciencemag.org/news/2017/01/diamond-vise-turns-hydrogen-metal-potentially-ending-80-year-quest?>. Acesso em 28 de fevereiro de 2017.

THE INDEPENDENT. Hydrogen turned into metal in stunning act of alchemy that could revolutionise technology and spaceflight. Disponível em: <www.independent.co.uk/news/science/hydrogen-metal-revolution-technology-space-rockets-superconductor-harvard-university-a7548221.html>. Acesso em 28 de fevereiro de 2017.

NATURE. Physicists doubt bold report of metallic hydrogen. Disponível em: <www.nature.com/news/physicists-doubt-bold-report-of-metallic-hydrogen-1.21379>. Acesso em 28 de fevereiro de 2017.

THE INDEPENDENT. World’s only piece of a metal that could revolutionise technology has disappeared, scientists reveal. Disponível em: <www.independent.co.uk/news/science/metallic-hydrogen-disappears-technology-revolutions-superconductor-faster-computers-super-efficient-a7593481.html>. Acesso em 27 de março de 2017.

 

Fontes das Imagens

Imagem 1: SCIENCE. Diamond vise turns hydrogen into a metal, potentially ending 80-year quest. Disponível em: <www.sciencemag.org/news/2017/01/diamond-vise-turns-hydrogen-metal-potentially-ending-80-year-quest?>. Acesso em 28 de fevereiro de 2017.

Imagem 2: NATURE. Physicists doubt bold report of metallic hydrogen. Disponível em: <www.nature.com/news/physicists-doubt-bold-report-of-metallic-hydrogen-1.21379>. Acesso em 28 de fevereiro de 2017.

 

Imagem de chamada: Representação artística de molécula de hidrogênio. Disponível em: <www.independent.co.uk/news/science/hydrogen-metal-revolution-technology-space-rockets-superconductor-harvard-university-a7548221.html>. Acesso em 28 de fevereiro de 2017.