No dia 17 de março deste ano o povo brasileiro foi surpreendido com a operação da polícia federal chamada de Carne Fraca. Grandes distribuidores frigoríficos como a JBS, BRF e Perdigão foram o foco da investigação. Estas empresas são responsáveis por marcas como Friboi, Seara e Big Frango. Todas bastante conhecidas e presentes na mesa do brasileiro.
A polícia federal descobriu por meio de investigações que estas empresas pagavam propina para fiscais agropecuários, assim, carnes adulteradas eram comercializadas normalmente. As carnes eram “maquiadas” com ácido ascórbico, alguns frigoríficos reembalavam carnes vencidas, além de usar papelão em embutidos.
A repercussão não poderia ser mais negativa. O presidente Michel Temer precisou acalmar os ânimos dos países que importam a carne brasileira, tamanho foi o desconforto e preocupação gerada pela operação. No dia 17 de maio do ano de 2017, gravações do presidente Michel Temer foram divulgadas. Nelas o presidente Temer dá o suposto aval para compra do silêncio de Eduardo Cunha. A revelação veio a partir do dono da JBS por meio de um acordo com a Operação Lava Jato.
Porém, se a operação Carne Fraca não é o suficiente para repensar o consumo de carnes, existem outros motivos que podem causar uma reflexão e até mesmo a mudança de hábitos.
Basicamente três pontos sustentam correntes de pensamento que defendem o não consumo de animais: saúde, meio ambiente e ética. É o tripé que sustenta correntes como o vegetarianismo e o veganismo. Explanações e exemplos de cada um dos pontos apresentados anteriormente serão apresentados a seguir.
Meio ambiente
Muitas pessoas não sabem, mas a indústria agropecuária causa muitos impactos ao meio ambiente. É uma preocupação constante, por exemplo, reduzir o consumo doméstico de água. No entanto, a indústria agropecuária consome bastante água. Estima-se que sejam gastos cerca de 15.4 mil litros de água para se produzir apenas um quilograma de carne bovina, 4.3 mil litros de água para se produzir um quilograma de carne de frango e 1000 litros de água para cada quilograma de leite produzido.[1]
Para efeito comparativo, é gasto apenas 290 litros de água para cada quilograma de batata produzida.[2]
As granjas industriais também geram grande poluição visto que os dejetos de bilhões de animais são despejados em corpos d’água. Segundo dados governamentais dos Estados Unidos, divulgados pela United States Environmental Protection Agency no ano de no ano de 2004 “uma granja com muitos animais pode facilmente igualar-se a uma pequena cidade em termos de produção de dejetos”. Estas granjas despejam dejetos minimamente tratados que poluem além da água, do solo e do ar. Os dejetos possuem contaminantes, por exemplo, resíduos de antibióticos que estão presentes na alimentação de engorda dos animais.[3]
A produção de um quilograma de carne bovina é responsável pela emissão de 335 kg de CO2, no Brasil. Isto pode ser comparado a dirigir um carro de médio porte por 1600 km. [4] Um dado ainda mais alarmante é que, considerando toda a cadeia (cultivo da ração, transporte e varejo da carne), estima-se que o setor pecuário é responsável por 14,5% das emissões de gases do efeito estufa globais provenientes de atividades humanas, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.[5]
Para finalizar este ponto, a taxa de conversão alimentar é bastante desfavorável visto que para cada quilograma de carne bovina é necessário que animal coma entre 7 quilogramas de alimentos vegetais, como soja, milho, aveia e outros que compõem a ração animal. Isto implica, por exemplo, em maior desperdício de área plantada.[6]
Saúde
É importante ressaltar que as dietas que excluem o consumo carne não são exatamente um sinônimo de boa saúde. Da mesma forma, quem come carne pode sim ser muito saudável. Uma alimentação dita saudável é uma alimentação equilibrada, uma alimentação que fornece todos os nutrientes necessários e em quantidades adequadas para manutenção das funções do corpo.
Porém, estudos populacionais realizados em 2009 pela American Dietetic Association comparou grupos vegetarianos e não vegetarianos com estilo de vida similar e em diversas fases de suas vidas, mostram que os grupos vegetarianos têm menor incidência de todas as doenças crônicas não transmissíveis como hipertensão, diabetes, obesidade, problemas cardíacos e alguns tipos de câncer.[7]
É importante relembrar a importância de uma alimentação saudável associada a exercícios físicos, independente do tipo de dieta para manutenção de uma boa saúde.
Ética
O principal pilar das correntes de direito dos animais é o princípio ético. O princípio ético parte do princípio de que animais são seres que merecem o direito à vida. Ou seja, os animais, não só aqueles que são sacrificados na pecuária, são seres que sofrem, possuem emoções e até mesmo algum grau de consciência. Por isso não devem ser explorados.
Em 2012, um grupo internacional de neurocientistas, baseando-se em evidências científicas declarou que animais não humanos como mamíferos, aves e outros como polvos, “possuem substratos neurológicos que indicam estados de consciência e a capacidade de exibir comportamentos intencionais”. Ou seja, possuem sensciência: capacidade dos seres de sentir algo de forma consciente, sejam emoções ou sentimento, além da capacidade de percepção do que o rodeia.[8]
Além disso, a indústria que explora os animais possui alta demanda, sendo assim, se aproxima bastante de outros setores industriais que necessitam de produção em larga escala. Resultado: o sofrimento animal é praticamente indissociável.
Aves: são criadas em galpões grandes, mas com muitas aves que não possuem espaço para ciscar ou abrir suas asas, esses fatores causam estresse aos animais que costumam bicar uns aos outros. Por isso, costuma-se cortar o bico das aves com uma lâmina quente, causando bastante dor ao animal. Muitas aves apresentam fraturas em suas patas por engordarem rapidamente em seu curto tempo de vida (40 dias). As galinhas poedeiras ficam confinadas em gaiolas. Os pintos machos são mortos sufocados ou triturados, pois não são rentáveis à longo prazo por não colocar ovos e crescerem mais devagar.
Bois e vacas: apesar de serem criados na maior parte de sua vida de modo extensivo (soltos em grandes pastos), no Brasil, no final de suas vidas passam ao sistema intensivo de criação (confinados em pequenos espaços). Apesar de não ser a principal forma de criação no Brasil, a criação intensiva é muito comum em países como Estados Unidos e na Europa, que possui menor extensão territorial. Vacas são animais de grande porte que precisam de espaço para se alimentar e ter uma boa qualidade de vida. A indústria do leite é, também, bastante cruel. As vacas leiteiras produzem leite ao estarem grávidas, portanto, estas são fertilizadas constantemente por inseminação artificial. Os bezerros são separados da sua progenitora e não são amamentados já que o leite produzido pela vaca deve ser destinado para demanda comercial. Qual o destino dos bezerros na indústria leiteira? São confinados em espaços minúsculos e presos para que não se movimentem, assim, sua carne se mantém pobre em ferro, além de ser uma carne macia devido ao repouso forçado do animal. Ele é, então, abatido para produção de carne de vitela ou vitelo. Uma carne de alto valor e bastante apreciada.
Porcos: na indústria de suínos a produção é quase que totalmente intensiva. Os animais são confinados, sendo os porcos animais grandes com bastante massa. Assim como as aves, devido ao pequeno espaço e muitos animais ocupando o mesmo local, muitos porcos apresentam comportamento canibal mordendo o rabo de outros porcos. Para que isto não aconteça o rabo dos porcos é cortado sem nenhum tipo de anestesia. Também é comum a castração dos filhotes de porcos, os trabalhadores costumam castrar os animais com as mãos e sem nenhuma anestesia. Porcos costumam apresentar fraturas devido à engorda do animal que deve ficar grande em um pequeno espaço de tempo a fim de manter a lucratividade do negócio.
São práticas constantes e presentes na indústria além de serem extremamente ligadas com questões de viabilidade econômica da atividade.
Infelizmente a exploração e sofrimento causado pela indústria animal não se restringe apenas aos animais não humanos visto que, em 2016, o setor pecuário liderou o ranking dos setores que mais possuem trabalho escravo, juntamente com a indústria de madeira e café.[9]
Conclusão
A indústria pecuária está ligada a grandes impactos ao meio ambiente, a emissão de gases estufa é maior que a emissão por parte dos transportes. Existem estudos que mostram que dietas sem carne podem ser saudáveis e grupos de pessoas que excluem as carnes da alimentação possuem menor chance de desenvolverem doenças crônicas.
A pecuária é bastante cruel aos animais como exposto anteriormente, mas esta atividade também pode ser cruel com pessoas que são escravizadas.
O não consumo de carne é possível e pode ser positivo para meio ambiente, para sua saúde e para os animais. Sejam estes humanos ou não humanos.
Referências
[1] Mekonnen, M.M. and Hoekstra, A.Y. (2010) The green, blue and grey water footprint of farm animals and animal products, Value of Water Research Report Series No. 48, UNESCO-IHE, Delft, the Netherlands;
[2] Mekonnen, M.M. and Hoekstra, A.Y. (2011) The green, blue and grey water footprint of crops and derived crop products, Hydrology and Earth System Sciences, 15(5): 1577-1600.
[3] UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY. Risk Management Evaluation For Concentrated Animal Feeding Operations. Cincinnati, 2004;
[4] Schmidinger, K. & Stehfest, E. Int J Life Cycle Assess (2012) 17: 962. doi:10.1007/s11367-012-0434-7;
[5] Gerber, P.J., Steinfeld, H., Henderson, B., Mottet, A., Opio, C., Dijkman, J., Falcucci, A. & Tempio, G. 2013. Tackling climate change through livestock – A global assessment of emissions and mitigation opportunities. Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), Rome;
[6] HIATH, M. A insustentabilidade ecológica da produção mundial de carne. 10 p. Disponível em <http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/ainsustentabilidadeecolgicadaprodu_omundialdecarne.pdf>. 29/05/2017
[7] AMERICAN DIETETIC ASSIOCIATION. Journal of the AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION. Position of the American Dietetic Association: Vegetarian Diets. Volume 109 Number 7, 2009;
[8] Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511936-declaracao-de-cambridge-sobre-a-consciencia-em-animais-humanos-e-nao-humanos>. Acesso em 19 de maio de 2017.
[9] DE OLHO NOS RURALISTAS. Pecuária, café e madeira lideraram casos de trabalho escravo em 2016. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2017/01/19/pecuaria-cafe-e-madeira-lideraram-casos-de-trabalho-escravo-em-2016/>. Acesso em 19 de maio de 2017.
Recomendações:
Filme documentário Terráqueos – Faça a Conexão: http://www.terraqueos.org/
Filme documentário Cowspiracy – O Segredo da Sustentabilidade: http://www.cowspiracy.com/
Fonte da imagem de chamada: https://pbs.twimg.com/media/C7ZhrSfXQAEQMcT.jpg. Acesso em 30 de maio de 2017.