Figura 1: Lixo nas ruas depois do primeiro turno das eleições de 2014.

A Onda de preconceito de classe mais evidente na época das eleições


Figura 1: Lixo nas ruas depois do primeiro turno das eleições de 2014.

Figura 1: Lixo nas ruas depois do primeiro turno das eleições de 2014.

Tem sido assim desde, pelo menos, 2006. Basta o PT vencer uma eleição presidencial para a nossa fábrica social de diagnósticos e explicações começar a funcionar com força total. O raciocínio de base é sempre o mesmo: a) a maioria dos eleitores fez escolhas diferentes da minha; b) escolhas divergentes da minha são erradas; c) quem foi esse insensato, irresponsável, desqualificado, desvalido a cometer tamanho desvario?A base do argumento é a mesma: eu sei que X não merece ser eleito, por N razões; mas X é eleito; logo, algum erro moral ou intelectual há nessa decisão de eleger X.
O site UOL abriu a sua usina de explicações com a seguinte frase: “Dilma vence nos sete Estados com menor renda média”. As garotas e garotos do canal GloboNews, com o luxuoso auxílio dos meninos descolados do Manhattan Connection, deixavam entender, sem disfarce, que “o Nordeste” é a única força capaz de impedir que Aécio cumpra a sua sentença, ser presidente do Brasil, que SP estava fazendo, com entusiasmo, a sua parte para recolar o cosmo no seu lugar, mas tinha uma Bahia de votos no meio do caminho.
No Twitter, no Facebook e no WhatsApp as explicações eram as mesmas desde 2006, com poucas variações. As alternativas são as de sempre: a) Dilma vence onde o IDH é menor; b) Dilma só vence acima do trópico de Capricórnio; c) Dilma só ganha por causa do Nordeste; d) Dilma só vence por causa dos ferrados, vendidos à dinheirama que o Bolsa Família (esta fábrica de preguiçosos e acomodados, esta usina de dependência que, em vez de eliminar a pobreza faz com que ela se perpetue para que o PT nunca mais perca eleições ) distribui; e) Dilma vence apenas em estados com baixo consumo de proteína e com menor estatura média da população.
O problema com esse raciocínio é que ele tem grande dificuldade de admitir outras razões para o voto, diferente das que seria adotada para a minha própria decisão. As minhas são razões, as dos outros, não. Quanto mais longe de mim é o outro (a outra classe social, a outra região do país), cognitivamente, politicamente ou moralmente, menos ele tem razões: ele age por instintos, interesses, necessidades. Nunca racionalmente. Racionais como “nós”.
Peguemos os pobres, onde se resume toda a questão. Se os pobres votam no PT, o fazem porque são vulneráveis, ignorantes, não têm discernimento? Essa teoria poderia, naturalmente, ser diferente. Bastando admitir que diferentes classes sociais votam por diferentes razões. Todas legítimas. É razoável esperar que os 31,7% dos brasileiros que vivem com R$ 150 de renda per capita por mês votem por razões diferentes de nós, da classe média, ou não? Não é que os pobres votem em Dilma porque não usam a razão. Os pobres votam em Dilma porque têm lá as suas muito justificadas razões. Os pobres são tão inteligentes que sabem que as razões de voto da classe média não podem ser as suas razões de voto. São pobres, não são burros. Burro é o cara de classe média que acha que tanto o rico quanto o pobre devem votar pelas suas mesmas razões. Burro e autocentrado.
Na situação atual, os pobres é quem têm mais motivos de queixa do que a classe média, afinal é só nas eleições que os pobres contam mais. Nos intervalos, a classe média manda. Em suma, a classe média é que atrapalhamos o voto deles, não o inverso. A GloboNews acha que o Nordeste é o que atrapalha a vitória de Aécio. Mas porque não é São Paulo quem atrapalha a vitória de Dilma?
Pobre não é raça, não é casta, não é natural. Pobre é circunstancial. Ponha todo mundo na classe média e aí prioridades e urgências eleitorais da classe média poderão ser generalizadas. Não quer que as razões eleitorais de gente dependente de bolsa esmola, com baixa escolarização e mal nutrida atrapalhem e perturbem a sua cristalina decisão de voto, puxando o resultado para o lado que eles pendem? A solução é simples: acabe com a pobreza e universalize a educação. Enquanto isso, aceite que eles terão diferentes razões para as suas escolhas eleitorais ou desista da democracia. Ou continuemos a nos divertir com o preconceito social e o racismo geográfico que as más explicações e os falsos diagnósticos nos autorizam. São escolhas.

 

Referência:
CARTA CAPITAL. Os pobres e ignorantes não sabem votar? Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/os-pobres-e-ignorantes-nao-sabem-votar-4691.html> Acesso em: 10 de out. 2014.